Banda ícone do power metal focou no “melhor do melhor” de sua discografia
Por Luiz Athayde
Que o Blind Guardian tem cadeira cativa no Brasil, isso já é sabido por todos os fãs de power metal. Desde sua primeira vinda ao país em 1998, divulgando o seminal Nightfall in Middle-Earth, a banda alemã formada em Krefelf, na região de Düsseldorf, sempre deu um jeito de pisar por essas terras.
Desta vez, ainda que a turnê seja do álbum The God Machine (2022), eles centralizaram seu repertório nas canções clássicas de sua discografia. Ou, como o vocalista Hansi Kürsch mandou a pala: “tocaremos o melhor do melhor”.
O Rio de Janeiro estava a todo vapor – essa expressão nunca fez tanto sentido –, com seu caos tradicional e pela possibilidade de tempestade (que acabou acontecendo) em função do calor extremo nível Mordor.
Sem mencionar o adiamento do show da cantora Taylor Swift no Estádio Nilton Santos, localizado no Engenho de Dentro, após a morte de uma fã. Foi nessa configuração que os alemães deram a largada para a perna brasileira do seu novo giro mundial.
O vocalista Hansi, os guitarristas André Olbrich e Marcus Siepen e o baterista Frederik Ehmke, acompanhados de Johan van Stratum (baixo) e Kenneth Berger (teclado), subiram ao palco em ponto (oito e uns minutos da noite), no lendário Circo Voador.
Na verdade, André apareceu um pouco antes para fazer acertos finais em seu equipamento. Obviamente, que já naquele momento o público vibrou.
Dito isso e, após a intro, “Imaginations from the Other Side” tomou os presentes de assalto, com a banda tendo os espectadores na mão com uma facilidade que parecia até brincadeira.
Aliás, o clima (não os 42°C de sensação de quase 60°C) leve, de diversão, era para lá de nítido, assim como a satisfação da banda em tocar novamente no Brasil. E vale lembrar que eles vinham da imbatível plateia argentina, no show realizado em Buenos Aires dois dias antes.
Foi a deixa para Hansi anunciar a segunda música, relacionando-a com a cabeleira grisalha de Marcus, parecendo um Elfo. Era “Blood of the Elves”, a mais veloz do último disco, inspirada na série de livros The Witcher.
Posteriormente, ela foi adaptada para as telas em forma de série chancelada pela Netflix. Não à toa, o público começou a gritar: “Geralt! Geralt! Geralt”, nome do personagem principal da ficção.
Àquela altura estar ali era tarefa para fãs mais fervorosos, devido ao calor. Entretanto, Hansi lançou mais uma ilusão ao dizer que iríamos “rumo a um lugar gelado”. Mas, como era Rio de Janeiro e não O Silmarillion, a única saída possível foi manter a hipnose. Pudera: impossível não se derreter no refrão da poderosa “Nightfall”.
Não bastasse isso, o set retrocede para o álbum anterior, Imaginations from the Other Side (1995) e soltam “The Script for My Requiem”. Como que respira? Esquece, inclusive porque em seguida veio “Violent Shadows”, do disco novo; viés speed/thrash metal, molde americano.
Os sinais de fôlego aparecem quando surgem os banquinhos para performarem “Skalds and Shadows”, balada quase obrigatória extraída do A Twist in the Myth (2006).
Confesso que naquele momento, achei que viria uma sessão acústica das boas. Pelo contrário: ali, a palavra de ordem era equilíbrio. É aí que Hansi anuncia “uma canção sobre o bem contra o mal”, ou seja, “Time Stands Still (At the Iron Hill)”.
Expressar em palavras o que foi a troca de energia nessa música é algo que simplesmente não dá. Desde os guitarristas agitando pelo palco, ao público totalmente imerso, cantando sem parar. E olha que o melhor estava por vir.
Falando em refrão, “Secrets Of The American Gods” aparece em cena como o melhor do novo registro. Tinha que estar no repertório. Sua letra traz como fonte a obra-prima American Gods (Deuses Americanos), de Neil Gaiman.
Sabe aquele papo de equilíbrio? Pois bem, tome banquinhos e violões novamente para um dos momentos mais emocionantes da noite: “The Bard’s Song – In the Forest”. Sim, todos cantando em uníssono, do início ao fim, e ainda permitindo um descanso à voz de Kürsch – como se precisasse.
Só que aí, meu amigo, minha amiga, veio “Majesty”. Se para uns é uma canção batida, para quem finalmente conseguiu ver a banda ao vivo após 30 anos acompanhando a carreira deles, a memória afetiva atacou em peso.
Independente do âmbito pessoal, a primeira faixa do álbum de estreia, Battalions of Fear, lá da classe de 1988, ainda mexe com o público. Então, babada só se for para tiozões de meia idade.
A noite seguiu mais quente do que nunca, e com ela mais uma rajada de fogo. “Traveller in Time”, do fantástico Tales from the Twilight World (1990) impulsiona mais cantoria e cabeças balançando.
Discos menos aclamados que os da era dourada também tiveram músicas no set list. Neste caso, foi a longa e proporcionalmente forte “Sacred Worlds”, do excelente At the Edge of Time, de 2010. Grata surpresa já no bis, quando engataram uma das mais esperadas, “Lord of the Rings”. Nem preciso dizer que foi mais um momento para encher os pulmões e cantar até o último segundo.
“Valhalla” era igualmente aguardada, mas também sinalizava que estávamos próximos da saída. A canção, na verdade, começou com o próprio público entoando seu refrão, que se seguiu mesmo quando a banda, aos sorrisos, havia terminado de tocá-la.
Logo depois, “Into The Storm” foi massivamente pedida. No entanto, mesmo entre olhares aparentemente indecisos de Marcus e Hansi, o vocalista educadamente diz que “geralmente não negociamos setlists”, mas acreditava que os presentes iriam gostar da próxima canção.
Na mosca: “Welcome To Dying” veio com a mesma força que a tempestade que tempos antes havia passado pela capital carioca. Nada mais assertivo que uma dose cavalar de speed metal.
Mas nem mesmo esse petardo impediu o pessoal de pedir a faixa 2 do Nightfall in Middle-Earth. Pararam graças a bombástica “Mirror Mirror”; explosão de riffs, velocidade, solos e um refrão que dispensa qualquer comentário.
Foi tudo tão rápido que a sensação, além da térmica, era de urgência. Mas sei que isso não passa de uma ansiedade típica de quem quer sempre mais.
Porém, verdade seja dita: juntamente com o óbvio entrosamento – cortesia do profissionalismo alemão –, havia uma aura explícita de felicidade dos alemães para com o público. Claro que tais expressões faciais não seriam as mesmas se a resposta não fosse condizente.
No entanto, na noite de sábado, 18 de novembro de 2023, o Blind Guardian emanou uma vontade e energia talvez como nunca antes vista por aqui. Por outro lado, seus seguidores cariocas deram um belo exemplo de receptividade, mesmo acostumados à apresentações internacionais. Show para a vida toda.
Ainda:
+ Seria um pecado não louvar a casa e a organização do Circo Voador. Espaço totalmente inclusivo, permitindo qualquer pessoa, incluindo cadeirantes, claro, assistir ao show de onde estiver. E também com o evento começando e terminando cedo o suficiente para pegar transporte público – como, na verdade, deveria ser.
Blind Guardian ao vivo no Circo Voador, Rio de Janeiro, 18 de Novembro de 2023
01. Intro/Imaginations From the Other Side (Álbum: Imaginations from the Other Side, 1995)
02. Blood of the Elves (Álbum: The God Machine, 2022)
03. Nightfall (Álbum: Nightfall in Middle-Earth, 1998)
04. The Script for My Requiem (Álbum: Imaginations From the Other Side, 1995)
05. Violent Shadows (Álbum: The God Machine, 2022)
06. Skalds and Shadows (Álbum:A Twist in the Myth, 2006)
07. Time Stands Still (At the Iron Hill) (Álbum: Nightfall in Middle-Earth, 1998)
08. Secrets Of The American Gods (Álbum: The God Machine, 2022)
09. The Bard’s Song – In the Forest (Álbum: Somewhere Far Beyond, 1992)
10. Majesty (Álbum: Battalions of Fear, 1988)
11. Traveler in Time (Álbum: Tales from the Twilight World, 1990)
Bis:
12. Sacred Worlds (Álbum: At The Edge of Time, 2010)
13. Lord of the Rings (Álbum: Tales from the Twilight World, 1990)
14. Valhalla (Follow the Blind, 1989)
15. Welcome to Dying (Álbum: Tales from the Twilight World, 1990)
16. Mirror Mirror (Álbum: Nightfall in Middle-Earth, 1998)