Banda consolida ótima fase com uma explosão de elementos de toda a carreira
Por Luiz Athayde
Por falar em galinha morta… ou carne de vaca (leia a resenha anterior aqui), saiu mais um esperado álbum do Angra via Atomic Fire Records. Seu título? Cycles of Pain. Ciclos da dor. Põe sofrimento nisso. Não de agora, mas desde sua gênese, em 1991.
Entre inúmeras formações e incontáveis brigas nível novela mexicana, a marca, liderada pelo guitarrista, vocalista e compositor Rafael Bittencourt, segue mais forte do que nunca.
Contudo, o que seriam anos de atividade intensa, culminaram em uma pandemia que travou inclusive o processo criativo. Felizmente, tudo voltou ao normal e, Fabio Lione, Felipe Andreoli, Marcelo Barbosa, Bruno Valverde e claro, Rafael, mergulharam de cabeça no que já prometiam ser, senão o melhor, ao menos o mais importante disco dessa era.
Aliás, é uma tradição dentro da banda converter coisas ruins em extremamente boas. Vide o inacreditável Aurora Consurgens (2006), dada a péssima atmosfera interna vivida no período das gravações.
Desta vez, porém, não é o caso. Os integrantes nunca se deram tão bem. E isso naturalmente se refletiu nas músicas. Lione está cantando com uma voracidade ímpar (ou, como nunca), enquanto a cozinha dispensa comentários no que diz respeito a técnica e inspiração.
Mas e as músicas? Assim como a arte da capa, elas remetem a toda discografia; um passeio ora explícito, ora sutil no que andaram fazendo nesses anos.
Passada a introdução, “Ride Into The Storm” propositalmente explode como um jorro de power metal com coros acompanhando o refrão para cantar junto. Afinal, é disso que esse estilo se trata.
“Dead Man On Display” estabelece uma conexão inconsciente com a cena italiana, de nomes como Labÿrinth (do qual Fabio integrou) e Secret Sphere. Ambas em sua fase mai moderna.
Já as duas partes de “Tide Of Changes” soam como se feitas para Resonance, disco solo de Felipe Andreoli, mas extraídas de última hora para integrar o play do Angra. Inclusive seu refrão característico denota uma composição da banda.
Falando em Andreoli, ele brilha (com a ajuda de seus companheiros) ao assinar “Vida Seca”. E melhor: trazendo Lenine para cantar a primeira parte da canção.
Chega a ser curioso que essa pegada de música brasileira (aqui, em meio a fortes influências de djent), tão odiada nos anos 90, seja justamente o que os fãs mais pedem hoje em dia. Pudera: ela figura facilmente um dos melhores momentos da história do grupo.
“Gods Of The World” é outra feita sob medida para grudar na cabeça. Não à toa, ela começa no refrão. A faixa-título, no entanto, é o tipo de música que pode enganar por parecer “fria”, mas passa longe disso. Quando você menos espera, está tomado pelos arranjos e pela interpretação fantástica de Fabio Lione.
Logo em seguida os mundos da modernidade prog e da tradicional música brasileira se unem na mais empolgante do disco, “Faithless Sanctuary”. Algo como Holy Land (1996) encontra Secret Garden (2014).
Agora, o que dizer de “Here In The Now”? Segundo Marcelo Barbosa, ela ficou de fora do último álbum, Ømni (2018) porque o produtor na época, Jens Bogren, achou brega – bom, mas quando o metal não é cafona? De qualquer forma, ela foi retrabalhada e, de quebra, ganhou o brilho da cantora e compositora Vanessa Moreno.
Se Gojira e Leprous resolvessem virar a casaca sem muito sucesso, não duvido que sairia uma faixa como “Generation Warriors”. Embora essencialmente power metal, as passagens de progressivo, metalcore e djent – como se fosse possível separá-las – simplesmente saltam aos ouvidos.
Os convidados especiais no álbum não cabem na lista. Alguns nomes, embora renomados no cenário metálico nacional, aparecem “apenas” para compor os corais. A exemplo de Marcelo Pompeu (Korzus), Nando Fernandes (Sinistra, ex-Hangar), Caio MacBeserra (Project46), Angel Sberse (Malvada) e May Puertas (Torture Squad).
Entretanto, quem se junta a Lione no protagonismo vocal é Amanda Somerville. “Tears Of Blood” encerra fazendo um alinhamento ao vigente metal sinfônico de ares góticos, com direito a ambos mergulhando na ópera.
Tudo bem que incontáveis bandas já lançaram mão dessa abordagem, mas ainda assim, é interessante ver, ou melhor, ouvir o Angra agregando novas sonoridades.
No fim das contas, eis mais um trabalho que para os fãs da banda já nasceu clássico, enquanto no terreno dos detratores, compõe apenas uma diluição do que já foi feito.
Como a função do Musical Fortress é essencialmente indicar e não criticar, o parecer por aqui é: mais que ouvir, absorva Cycles of Pain; com todas as suas passagens e nuances. Quanto a ser um clássico, aí só o tempo para dizer. Por outro lado, ele já está anos-luz de ser um play ignorado.
Ainda:
+ Kiko Loureiro e Fernanda Lira (Crypta) também integram a lista de participações ilustres. Porém, na versão alternativa de “Tears Of Blood”, presente exclusivamente na edição japonesa de Cycles of Pain.
+ Os trabalhos de gravação, produção, mixagem e masterização ficaram a cargo de um velho conhecido do Angra: Dennis Ward (ex-Pink Cream 69). Ele também co-assina letras das músicas “Ride into the Storm”, “Dead Man on Display”, “Faithless Sanctuary”, “Here in the Now” e “Generation Warriors”.
Ouça Cycles of Pain na íntegra a seguir:
1 thought on “Angra – Cycles of Pain (2023)”