Em recado para os EUA de Donald Trump, vocalista do Helloween criticou a atual onda de ódio em nome do Deus cristão
Por Luiz Athayde
É sabido que o power metal figura a ala fantástica do universo metálico, com seus temas envolvendo magos, dragões, elfos e afins. Em outras palavras, a válvula de escape perfeita quando o assunto “política” vem à tona.
No entanto, por mais que se tente vendar os olhos para tal, há notícias que irão circundar sua vida (ou sua “linha do tempo” digital), querendo ou não. Vide a recente posse do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, no último dia 20 de janeiro.
Em um curto período de tempo, o que já era corriqueiro na sociedade estadunidense — ódio, mas aos imigrantes não brancos em especial — foi amplificado pela imprensa; de deportações em massa, inclusive provenientes do governo anterior, de Joe Biden, a gente xingando latinos no meio da rua.
Neste contexto, o cantor alemão Michael Kiske, uma das vozes do Helloween, resolveu deixar as divertidas abóboras do Dia das Bruxas de lado para abordar o assunto de forma incisiva, de acordo com sua fé cristã.
“Essas palavras de Rudolf Steiner são especialmente importantes para nossos amigos americanos de hoje, que estão combinando novamente seus demônios nacionalistas com “Deus e Jesus Cristo” em um nível totalmente novo”, começa o ícone do metal melódico. Leia a seguir.
“…Basicamente, não são as pessoas que estão falando umas com as outras hoje, mas sim pessoas de diferentes nações falando umas com as outras. As pessoas falam com o mundo exterior. Mas o que fala a partir delas é a própria essência diferenciada de cada nação. E como as pessoas na era atual olham apenas para o significado abstrato das palavras, e não para a origem das palavras, para as raízes das palavras, porque não olham para as condições fundamentais da vida, não se percebe que, basicamente, as diferenças entre os demônios nacionais individuais estão falando entre si, e não o homem falando com o homem. Dificilmente haverá algo que possa fornecer uma prova mais clara de que o cristianismo não é reconhecido no mundo atual do que o que acabou de ser dito. O cristianismo não é percebido, porque entender plenamente Cristo significa encontrar o homem como homem dentro de si mesmo. Cristo não é um deus nacional, Cristo não é um deus racial, Cristo não é o Deus de nenhum grupo de pessoas, mas Cristo é o Deus do ser humano individual, na medida em que esse ser humano individual é apenas um membro de toda a humanidade. E somente quando o Ser Cristo for removido de todas as suposições que são acessíveis ao homem, ele poderá ser compreendido de tal forma que seja entendido como o Deus da humanidade, somente então Cristo certamente terá o maior significado social em toda a Terra”. … (Rudolf Steiner, 7 de janeiro de 1922. Oeste, Leste e Centro. GA 210)”
Contudo, Kiske deixa o “esporro” para os EUA de Donald Trump para o final, dizendo que “não existem “países próprios de Deus”! Deus não tem passaporte! Qualquer nacionalismo é sempre demoníaco, desumano e sem amor e divide a humanidade!”
Ele continua: “Mas muitos americanos estão totalmente bem hoje com o sofrimento de milhões de pessoas em outros países, desde que os EUA estejam indo bem e prosperem! Mas os deuses que inspiram o nacionalismo, o ódio, a ignorância e o chauvinismo são satânicos. Na verdade, os Estados Unidos são o próprio país do Deus-Mamom [do dinheiro, da cobiça, segundo a mitologia cristã] (Mateus 6,24). Os Eloahs [variante hebraica para ‘Deus’] satânicos são confundidos com o Pai ainda hoje por muitos, porque eles querem ser cegos.”
A posição contundente de Kiske pode surpreender a turma do “era legal quando vocês não falavam de política”, mas não é nova nesta esfera. O baixista Markus Grosskopf, também do Helloween, foi visto em uma das manifestações contra a extrema direita na Alemanha no último ano. Além de Hansi Kürsch, voz do Blind Guardian, que se desligou do projeto Demons & Wizards após seu então companheiro, Jon Schaffer (guitarrista do Iced Earth) ter sido preso por envolvimento na invasão ao Capitólio, em 2021.
Na época, Kürsch (hoje, com outro discurso) emitiu um comunicado que diz:
“Notifiquei Jon e a Century Media [gravadora do DEMONS & WIZARDS] na segunda-feira que eu estava deixando o projeto DEMONS & WIZARDS com efeito imediato. Minha colaboração com Jon no DEMONS & WIZARDS está encerrada.”
Já o restante do grupo, por sua vez, escreveu:
“Estamos profundamente chocados e nossos pensamentos estão com os parentes do falecido. Nós nos distanciamos expressamente de qualquer tipo de violência, independentemente de ser aplicada contra instituições ou pessoas. Os incidentes serão investigados minuciosamente e os responsáveis serão levados à justiça. Pedimos sua compreensão para o fato de que, em vista da situação das notícias de hora em hora, não faremos mais nenhum comentário no momento.”
Do lado direito do espectro político, Dave Mustaine, do Megadeth e Blackie Lawless, do W.A.S.P. estão entre os nomes mais notáveis. No Brasil, o mais visível é Ricardo Confessori (ex-Angra), que nunca teve medo de expor seus pensamentos, os mesmos que para muitos, serviram de motivo para o fim do Shaman em 2023.
Sua última polêmica envolveu uma discussão nas suas próprias redes sociais, após compartilhar um discurso do qual o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva anunciava medida contra os atos terroristas no dia 8 de janeiro daquele ano.
Na publicação, Confessori se referiu a Lula como “presidente fake” ao contrapor com atos violentos de manifestantes de esquerda invadindo o Congresso Nacional em 2006. Foi quando surgiu o comentário do médico veterinário Mateus Ferreira (ex-baixista do Emphuria), dizendo que “ao invés da pessoa se posicionar a favor da democracia, contra o vandalismo e contra o escândalo que aconteceu, preferem fazer uma comparação ridícula a fim de equiparar o desastre”.
De imediato, o baterista respondeu com ofensas homofóbicas e até mesmo citando a profissão de Mateus (comentário apagado na publicação, mas resgatado em print por fãs).
“Você não passa de um boiólogo [sic] que reprovou em medica. Nível fraco. Volta aqui quando for médico pelo menos. Homem de esquerda é piada pronta. Sai do polo feminino seu mangina. Vou perder tempo só te xingando, porque falar de legislação com você eu não falo. Se enterra em um buraco, manda o GPS pra mim, que mando encher com um caminhão de merda. Feministo não binário […] se enxergam olha sua cara de otário. Vai tosar meu poodle.”
Em contrapartida, o médico postou um vídeo sobre as ofensas sofridas e informando a Confessori: “Você vai responder criminalmente pelos seus ataques de ódio, em 2023 não há mais espaço para esse tipo de postura na internet”.
De volta a Michael Kiske, sinais de seu posicionamento/visão de mundo já haviam aparecido em postagens anteriores, porém, de um jeito enigmático.
“Já que o mundo está totalmente mergulhado em mentiras, ilusões, inspirações demoníacas, falsidade e traição, seja o oposto! Seja totalmente verdadeiro, consigo mesmo e com os outros, em sua mente, coração e ações, não importa o que aconteça! Essa é a lição a ser aprendida nesses dias corruptos.”
Michi, como é carinhosamente conhecido, completou 57 anos em 24 de janeiro último e se prepara para lançar seu sexto álbum de estúdio junto ao Helloween.